Eu vi o filme "As aventuras de Pi", e pensei em Deus.
O
personagem do filme conta a história de um naufrágio para os
investigadores, um naufrágio cujos sobreviventes foram um tigre, uma
hiena, uma zebra, uma macaca, e ele mesmo. No desenvolver do naufrágio, a
hiena devorou a zebra e a macaca, e o tigre devorou a hiena. A história
parece fantasiosa para os investigadores, e Pi substitui os personagens
por personagens mais "aceitáveis à razão humana": seu lado selvagem (o
tigre), um açougueiro (a hiena), um budista (a zebra), sua mãe (a
macaca), e seu lado humano (ele mesmo), no qual ele, e seu lado selvagem
(representado pelo tigre), se ajudam para sobreviver ao naugráfio.
Concluindo,
com outras palavras, ele diz aos investigadores: escolha a história que
vocês quiserem, não vai mudar o que aconteceu: o navio afundou, minha
família morreu, eu sofri muito, e sobrevivi.
A
mesma coisa acontece com Deus. As tradições humanas, a religiosidade,
são formas "racionalmente aceitas" do homem entender Deus.
Mas
Deus só se entende pela "Revelação", ou seja, aquilo que Deus "quiser"
nos revelar. Sendo assim, tudo o mais é adorno de homens. Somente o
personagem Pi sabia a verdade, mas o que ele quis "revelar", era o cerne
de toda a história: o navio afundou, sua família morreu, ele sofreu
muito, e sobreviveu, e os ouvintes com seus raciocínios de ouvintes, por
mais inteligentes que fossem, só poderiam saber a "Verdade" pela boca
de Pi. O resto, ele "não revelou", por não achar importante, ou porque
seus ouvintes não suportariam ouvir a verdade (uma história cruel de
canibalismo), ou porque seus ouvintes não "conseguiam entender" a
verdade (uma zebra, uma macaca, um tigre e um homem).
Então,
que o ouvinte escolha a história que lhe for mais conveniente, ou até
invente as suas histórias, nada vai mudar. Tudo que o ouvinte quiser
saber, além da "Revelação de Pi", não veio de Pi, mas de suas
imaginações, seus preconceitos, racionalismos, dificuldades em aceitar o
que acha "irracional", coisas de homens, pois só quem sabe a verdade, é
Pi, e nenhum raciocínio e inteligência humana vai descobrir "o que Pi
não quiser revelar".
A
religião nasceu assim, da tentativa do homem "subir até Deus", seja com
Caim e suas oferendas em busca da aprovação de Deus, seja o filho
pródigo que trabalhava esperando ser reconhecido e agraciado pelos seus
esforços (esforços nem por um momento "espontâneos para alegrar o pai"),
quando estes não entendem a Graça, na qual "Deus desce até nós". Mas o
homem busca algo "além da revelação de Deus", e por isso vive
construindo seus bezerros de ouro.
Então, escolha a sua história. Em qual delas você prefere acreditar?