Uma história que nos faz lembrar
que Deus sempre esteve perto dos homens, em todos os lugares, mesmo quando
esses não o conhecem ou não sabem seu nome, e que Jesus é mais que uma
"senha" para entrar no Céu, mas é um Caminho.
PS: extraída do site www.caiofabio.com
Em alguma época, durante o sexto
século antes de Cristo, numa reunião do conselho na Colina de Marte, em
Atenas...
“Diga-nos, Nícias, que aviso o
oráculo de Pítias lhe deu? Por que esta praga caiu sobre nós? E por que os
inúmeros sacrifícios realizados de nada adiantaram?”
O impassível Nícias olhou de
frente o presidente do conselho e afirmou:
“A sacerdotisa declara que nossa
cidade se encontra sob uma terrível maldição. Um certo deus a colocou sobre nós
por causa do medonho crime de traição do rei Megacles contra os seguidores de
Cylon.”
“É verdade! Lembro-me agora”,
disse sombriamente outro membro do conselho. “Megacles obteve a rendição dos
seguidores de Cylon com uma promessa de anistia, depois violou prontamente sua
própria palavra e os matou! Mas qual é o deus que ainda nos condena por esse
crime? Já oferecemos sacrifícios de expiação a todos os deuses!”
“Não é bem assim”, replicou
Nícias. “A sacerdotisa afirma que resta ainda um deus a ser apaziguado.”
“Quem poderia ser?” perguntaram
os anciãos, olhando incrédulos para Nícias.
“Não posso contar-lhes”,
respondeu ele. “O próprio oráculo parece não saber o seu nome. Ela disse apenas
que...”
Nícias fez uma pausa, observando
as faces ansiosas de seus colegas. Enquanto isso, da cidade enlutada à volta
deles, ouvia-se o eco de milhares de cânticos fúnebres.
Nícias continuou: “... precisamos
enviar um navio imediatamente a Cnossos, na Ilha de Creta, e trazer de lá para
Atenas um homem chamado Epimênides. A sacerdotisa assegurou-me que ele saberá
como apaziguar esse deus ofendido, livrando assim a nossa cidade.”
“Não existe alguém
suficientemente sábio aqui em Atenas?” esbravejou um ancião indignado. “Temos
de apelar para um... um estrangeiro?”
“Se conhece algum grande sábio em
Atenas, pode chamá-lo”, disse Nícias. “Caso contrário, cumpramos simplesmente
as ordens do oráculo.”
Um vento frio, frio como se
tocado pelos dedos gélidos do terror que varria Atenas, fez-se presente na
câmara de mármore branco do conselho na Colina de Marte. Aconchegando-se mais
em seu manto de magistrado, cada ancião refletiu sobre as palavras de Nícias.
“Vá em nosso nome, meu amigo”,
disse o presidente do conselho. “Traga esse Epimênides! Se ele atender ao seu
pedido e livrar nossa cidade, nós o recompensaremos.”
Os demais membros do conselho
concordaram. O calmo Nícias, de voz suave, levantou-se, inclinando-se diante da
assembléia, deixando a câmara. Ao descer a Colina de Marte, ele se encaminhou
para o porto de Pireu, que ficava a 13 km de distância, na Baía de Falerom. Um
navio achava-se ali ancorado.
Epimênides desceu agilmente para
a terra, em Pireu, seguido de Nícias. Os dois homens encaminharam-se de
imediato para Atenas, recobrando aos poucos a força das pernas depois da longa
viagem por mar, desde Creta. Ao entrarem na já mundialmente famosa “cidade dos
filósofos”, os sinais da praga eram vistos por toda a parte. Mas Epimênides
observou outra coisa:
“Nunca vi tantos deuses!” exclamou o cretense
para o seu guia, piscando surpreso.
Falanges ladeavam os dois lados
da estrada que saía do Pireu. Outros deuses, centenas deles, adornavam um
terreno íngreme e rochoso, chamado acrópole. Tempos depois, nesse mesmo lugar,
os atenienses construíram o Partenon.
“Quantos são os deuses de
Atenas?” inquiriu Epimênides.
“Várias centenas pelo menos!”
replicou Nícias.
“Várias centenas!”, foi a exclamação
espantada de Epimênides.
“Aqui é mais fácil encontrar
deuses do que homens!”
“Tem razão!”, riu o conselheiro
Nícias. “Não sei quantos provérbios já foram feitos sobre ‘Atenas, a cidade
saturada de deuses’. Com a mesma facilidade que se tira uma pedra da pedreira,
outro deus é trazido para a cidade!”1
Nícias parou repentinamente, refletindo
sobre o que acabara de dizer. “Todavia”, começou pensativo, “o oráculo de
Pítias declara que os atenienses precisam apaziguar ainda um outro deus. E
você, Epimênides, deve promover a intercessão necessária. Ao que parece, apesar
do que eu disse, nós, atenienses, ainda precisamos de mais um deus!”
Jogando a cabeça para trás e
rindo, Nícias exclamou: “Realmente, Epimênides, não consigo adivinhar quem
poderia ser esse outro deus. Os atenienses são os maiores colecionadores de
deuses no mundo! Já saqueamos as teologias de muitos povos das vizinhanças,
apoderando-nos de toda divindade que possamos transportar para a nossa cidade,
por terra ou por mar.”
“Talvez seja esse o seu
problema”, disse Epimênides com um ar misterioso.
Nícias piscou os olhos para o
amigo, sem compreender, como quem deseja um esclarecimento desse último
comentário. Mas alguma coisa na atitude de Epimênides o silenciou. Momentos
depois, chegaram a um pórtico com piso de mármore, junto à câmara do conselho
na Colina de Marte. Os anciãos de Atenas já haviam sido avisados e o conselho
os esperava.
"Epimênides, agradecemos sua
... " começou o presidente da assembléia.
"Sábios anciãos de Atenas,
não há necessidade de agradecimentos." Epimênides interrompeu.
"Amanhã, ao nascer do sol, tragam
um rebanho de ovelhas, um grupo de pedreiros e uma grande quantidade de pedras
e argamassa até a ladeira coberta de relva, ao pé desta rocha sagrada. As
ovelhas devem ser todas sadias e de cores diferentes - algumas brancas, outras
pretas. Vocês não devem deixá-las comer depois do descanso noturno. É preciso
que sejam ovelhas famintas! Vou agora descansar da viagem. Acordem-me ao
amanhecer."
Os membros do conselho trocaram
olhares curiosos, enquanto Epimênides cruzava o pórtico em direção a um quarto
sossegado, enrolando-se em seu manto como num cobertor e sentando-se para
meditar.
O presidente voltou-se para um
dos membros jovens do conselho'. "Veja que tudo seja feito como ele
ordenou", disse ele.
"As ovelhas estão
aqui", falou o membro jovem, humildemente.
Epimênides, despenteado e ainda
meio dormindo, saiu de seu descanso e seguiu o mensageiro até a ladeira que
ficava na base da Colina de Marte. Dois rebanhos - um de ovelhas pretas e
brancas e outro de conselheiros, pastores e pedreiros - achavam-se à espera,
debaixo do sol que nascia. Centenas de cidadãos, desfigurados por outra noite
de vigília cuidando dos doentes atingidos pela praga e chorando pelos mortos,
galgaram os pequenos outeiros e ficaram observando ansiosos.
"Sábios anciãos", começou
Epimênides, "vocês já se esforçaram muito ofertando sacrifícios aos seus
numerosos deuses; entretanto, tudo se mostrou inútil. Vou agora oferecer
sacrifícios baseado em três suposições bem diferentes das suas. Minha primeira
suposição ...”
Todos os olhos estavam fixos no
cretense de elevada estatura; todos os ouvidos atentos para captar suas
próximas palavras.
" ... é que existe ainda
outro deus interessado na questão desta praga - um deus cujo nome não
conhecemos e que não está, portanto, sendo representado por qualquer ídolo em
sua cidade. Segundo, vou supor também que este deus é bastante poderoso - e
suficientemente bondoso para fazer alguma coisa a respeito da praga, se apenas
pedirmos a sua ajuda."
"Invocar um deus cujo nome é
desconhecido?" exclamou um dos anciãos. "Isso é possível?"
"A terceira suposição é a
minha resposta à sua pergunta", replicou Epimênides. "Essa hipótese é
muito simples. Qualquer deus suficientemente grande e bondoso para fazer algo a
respeito da praga é também poderoso e misericordioso para nos favorecer em
nossa ignorância - se reconhecermos a mesma e o invocarmos!"
Murmúrios de aprovação
misturaram-se com o balido das ovelhas famintas. Os anciãos de Atenas jamais
tinham ouvido essa linha de raciocínio antes. Mas, por que, perguntavam eles,
as ovelhas deviam ser de cores diferentes?
"Agora'" gritou
Epimênides, "preparem-se para soltar as ovelhas na ladeira sagrada! Uma
vez soltas, deixem que cada animal paste onde quiser, mas façam com que seja
seguido por um homem que o observe cuidadosamente." A seguir, levantando
os olhos para o céu, Epimênides orou com voz profunda e cheia de confiança:
"ó, tu, deus desconhecido! Contempla a praga que aflige esta cidade! E se
de fato tens compaixão para perdoar-nos e ajudar-nos, observa este rebanho de
ovelhas! Revela tua disposição para responder, eu peço, fazendo com que
qualquer ovelha que te agrade deite na relva em vez de pastar. Escolha as
brancas se elas te agradarem; as pretas se te causarem prazer. As que escolheres
serão sacrificadas a ti - reconhecendo nossa lamentável ignorância do teu
nome!"
Epimênides sentou-se na grama,
inclinou a cabeça e fez sinal aos pastores que guardavam o rebanho. Estes
vagarosamente se afastaram. Com rapidez e voracidade, as ovelhas se espalharam
pela colina, começando a pastar. Epimênides ficou ali sentado como uma estátua,
com os olhos baixos.
"É inútil", murmurou
baixinho um conselheiro. "Mal amanheceu e raras vezes vi um rebanho tão
faminto. Nenhum animal vai deitar-se antes de encher o estômago e quem
acreditará então que foi um deus que o levou a isso?"
Epimênides deve ter escolhido
esta hora do dia deliberadamente!" respondeu Nícias. "Só assim
poderemos saber que a ovelha que se deitar o fará em obediência à vontade desse
deus desconhecido, e não por sua própria inclinação!"
Mal Nícias terminara de falar quando
um pastor gritou: "Olhem!"
Todos os olhos se voltaram para
ver um carneiro dobrar os joelhos e deitar-se na relva.
"Eis aqui outro!"
bradou um conselheiro surpreso, fora de si por causa do espanto. Em poucos
minutos algumas das ovelhas se achavam acomodadas sobre a relva suculenta
demais para que qualquer herbívoro faminto pudesse resistir - em circunstâncias
normais!
"Se apenas uma deitasse,
teríamos dito que estava doente!" exclamou o presidente do conselho.
"Mas isto! Isto só pode ser uma resposta'"
Com os olhos cheios de
reverência, ele se voltou, dizendo a Epimênides: "O que faremos
agora?"
"Separem as ovelhas que
estão descansando", replicou o cretense, levantando a cabeça pela primeira
vez desde que invocara o deus desconhecido, "e marquem o lugar onde cada
uma se acha. Faam depois com que os pedreiros levantem altares - um altar em
cada ponto onde as ovelhas descansaram!"
Pedreiros entusiastas começaram a
fazer argamassa e no final da tarde ela já havia endurecido o suficiente. Todos
os altares se achavam preparados para uso.
"Qual o nome do deus que
gravaremos sobre esses altares?" perguntou um dos conselheiros do grupo
mais jovem, excessivamente ansioso. Todos se voltaram para ouvir a resposta do
cretense.
"Nome?" repetiu
Epimênides, como se refletindo. "A divindade, cuja ajuda buscamos,
agradou-se em responder à nossa admissão de ignorância. Se agora pretendermos
mostrar conhecimento, gravando um nome quando na verdade não temos a menor
idéia a respeito dele, temo que vamos apenas ofendê-la!".
"Não podemos correr esse
risco", concordou o presidente do conselho. "Mas com certeza deve haver
um meio apropriado de - de dedicar cada altar antes de usá-lo."
"Tem razão, sábio
conselheiro", declarou Epimênides com um sorriso raro. "Existe um
meio. Inscrevam simplesmente as palavras agnosto theo - a um deus desconhecido
- no lado de cada altar. Nada mais é necessário."
Os atenienses gravaram as
palavras recomendadas pelo conselheiro cretense. A seguir, sacrificaram cada
ovelha "dedicada" sobre o altar marcando o ponto em que a mesma havia
deitado. A noite caiu. Na madrugada do dia seguinte os dedos mortais da praga
sobre a cidade já se haviam afrouxado. No decorrer de uma semana, os doentes
sararam. Atenas encheu-se de louvor ao "Deus desconhecido" de
Epimênides e também a este, por ter prestado socorro tão surpreendente de um
modo verdadeiramente engenhoso. Cidadãos agradecidos colocaram festões de
flores ao redor do grupo despretensioso de altares na encosta da Colina de
Marte. Mais tarde, eles esculpiram uma estátua de Epimênides sentado é a
colocaram diante de um de seus templos.
Com o correr do tempo, porém, o
povo de Atenas começou a esquecer-se da misericórdia que o "deus
desconhecido" de Epimênides lhes concedera. Seus altares na colina foram
negligenciados e eles voltaram a adorar centenas de deuses que se mostraram
incapazes de remover a maldição da cidade. Vândalos demoliram parte dos altares
e removeram pedras de outros. O mato e o musgo começaram a crescer sobre as
ruínas até que ...
Certo dia, dois anciãos que se
lembravam da importância dos altares pararam diante deles a caminho do
conselho. Apoiados em seus bordões eles contemplaram pensativos as relíquias
ocultas por trepadeiras. Um dos anciãos retirou um pouco do musgo e leu a
antiga inscrição encoberta por ele: " 'Agnosto theo'. Demas - você se
lembra?"
"Como poderia esquecer?"
respondeu Demas. "Eu era o membro jovem do conselho que ficou acordado a
noite inteira para certificar-me de que o rebanho, as pedras, a argamassa e os
pedreiros estariam prontos ao nascer do sol!"
"E eu", replicou o
outro ancião, "era aquele outro membro jovem e ansioso que sugeriu que
fosse gravado em cada altar o nome de algum deus! Que tolice".
Ele fez uma pausa, mergulhado em
seus pensamentos, acrescentando a seguir: "Demas, você talvez me considere
sacrílego, mas não posso deixar de sentir que se o "Deus
desconhecido" de Epimênides se revelasse abertamente a nós, logo
deixaríamos de lado todos os outros!" O ancião barbudo balançou o bordão
com certo desprezo na direção dos ídolos surdos e mudos que, em fileira após
fileira, cobriam a crista da acrópole, em número maior do que nunca antes.
"Se Ele jamais vier a
revelar-se", disse Demas pensativamente, "como nosso povo saberá que
não é um estranho, mas um Deus que já participou dos problemas de nossa
cidade?"
"Acho que só existe um
meio", replicou o primeiro ancião. "Devemos preservar pelo menos um
desses altares como evidência para a posteridade. E a história de Epimênides
deve, de alguma forma, ser mantida viva entre as nossas tradições."
"Uma grande idéia a
sua!" entusiasmou-se Demas. "Olhe! Este ainda está em boas condições.
Vamos empregar pedreiros para pô-lo e amanhã lembraremos todo o conselho dessa
antiga vitória sobre a praga. Faremos passar uma moção para incluir a
manutenção de pelo menos este altar entre as despesas perpétuas de nossa cidade!"
Os dois anciãos apertaram-se as
mãos para fechar o acordo e, de braços dados, seguiram caminho abaixo, batendo
alegremente os bordões contra as pedras da Colina de Marte.
Bento Souto